terça-feira, 20 de outubro de 2009

Cobrança do Crédito Tributário por Empresas Privadas

Recentemente fui consultado acerca da possibilidade de realização de cobrança do crédito tributário, seja já inscrito na dívida ativa ou não, por empresas da iniciativa privada, especialmente a dívida ativa municipal.
Sobre o assunto, e com todo o respeito às opiniões contrárias, tenho as seguintes considerações:
A fim de Justificar tal possibilidade, é necessária breve análise dos conceitos de "competência tributária" e de "capacidade tributária", pois observo que algumas controvérsias a respeito desse assunto são fundamentadas por estes conceitos.
Competência Tributária significa "aptidão para criar, in abstracto, tributos." (Carraza, pg 449).
Portanto, obviamente uma empresa privada, de cobranças, por exemplo, não pode ser desqualificada a cobrar o crédito tributário porque não tem competência tributária, pois tal qualificação jamais poderia possuir.
Se o argumento a persistir é a falta de capacidade tributária ativa, da mesma forma deverá ser afastado, porque este conceito refere-se tão somente à aptidão para determinada pessoa figurar no polo ativo da obrigação tributária.
Exemplo típico desta situação é o caso do INSS, que é uma autarquia Federal, e que possui capacidade tributária, eis que arrecada e fiscaliza o tributo, mas não possui a competência tributária, pois não lhe é permitido criar tributos.
Como se percebe, uma empresa privada não pode possuir competência tributária, e também não pode possuir capacidade tributária, e, portanto, é incoerente dizer que uma empresa privada não pode ser habilitada a cobrar o crédito tributário simplesmente porque não possui tais qualificações.
A questão pode ser resolvida, no meu entender, através do disposto no §3º do art. 7º do Código Tributário Nacional.
De acordo com esse dispositivo legal, a empresa da iniciativa privada pode possuir o direito de arrecadar o tributo.
Contudo, é obviamente equivocado o texto da própria Lei, pois confunde o ato de arrecadar o tributo, com o ato de receber o tributo.
Segundo a interpretação teleológica, entendo que as funções de arrecadar e fiscalizar compreendem conceitos relacionados com a administração direta do tributo, ou seja, a pessoa que possua a qualidade da capacidade tributária ativa, como é o caso do INSS, que pode arrecadar e fiscalizar o tributo que pela Lei lhe foi autorizado.
O verbo arrecadar, portanto, está muito mais direcionado à administração do tributo, que simplesmente o fato de receber a quantia devida em razão desse tributo, seja o tributo devidamente lançado, seja o tributo já inscrito em dívida ativa.
Uma análise mais atenta do citado artigo, faz concluir que o legislador, ao se refereir às atribuições, fez menção às pessoas jurídicas que teriam tão somente a capacidade tributária ativa, situação esta caracterizada pela chamada parafiscalidade, do já citado exemplo do INSS.
O exemplo característico é o recolhimento de tributos através do sistema bancário. Na verdade, o sistema bancário não arrecada o tributo, mas simplesmente o recebe, para repassar ao órgão arrecadador.
Desta maneira, penso que não existe impedimento para que terceiros particulares participem do processo de recebimento do tributo, desde que respeitadas as demais normas legais, especialmente as regras estabelecidas pelo Direito Administrativo, o qual abrange as licitações.
Nesse aspecto, diga-se de passagem, a empresa particular que estiver autorizada a realizar cobranças em nome, por exemplo, da prefeitura municpal, estará investida nesta função através de um procedimento de licitação. Portanto, obrigar-se-á esta empresa de cobranças, a respeitar as regras da Administração Pública, como se dela fizesse parte, afastando por completo questões relativas a sigilo fiscal, por exemplo.
Finalmente, penso que não se pode engessar mais ainda a Administração Pública, que sabidamente não é capaz de realizar por sua própria conta um trabalho especializado e profissional, fundamentando-se em suposições técnicas, mesmo que fossem válidas essas suposições.
A cobrança do crédito tributário, seja já inscrito em dívida ativa ou não, por parte da iniciativa privada não contraria qualquer princípio constitucional tributário. A começar do princípio da legalidade, pois na verdade, os princípios dizem respeito à criação do tributo (Amaro, pg 111). Quanto à indelegabilidade, tal conceito sequer é caracterizado como um princípio, mas comente como um requisito da competência tributária.
Não havendo proibição legal expressa para essa cobrança pela iniciativa privada, e se tal procedimento vier a ser adotado e se forem respeitados os princípios constitucionais tributários, bem como os direitos fundamentais individuais, obviamente que a pretendida licitação poderá ser realizada, e certamente se constituirá num avanço no processo de desburocratização da Administração Pública, em benefício da própria sociedade.
Marcelo Augusto Pedromônico
Outubro de 2009.
Referências:
AMARO, Luciano - Direito Tributário Brasileiro, 10ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2004
CARRAZA, Roque Antonio - Curso de Direito Constitucional Tributário, 20ª ed. São Paulo, Malheiros, 2004
SOARES DE MELO, José Eduardo - Curso de Direito Tributário, 3ª ed. São Paulo, Dialética, 1997.

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